terça-feira, fevereiro 27, 2007

As histórias que espeto em papel

Imagino histórias lindas para as desmembrar brutalmente com lâminas de prata e medo. Ando no verde campo, para poder pisar as flores. As flores, essas putas que têm nome redondo e que não têm, na sua forma escrita, arestas e bicos, dureza - só apelidadas de putas as posso escrever.
Não sou louco. Mas permito-me criar no papel um mundo imaginário, um só meu, onde violo a gramática e esfolo o português... e onde chamo putas às flores, que é só para usar expressões negras, pretas, setas apontadas aos corações. Gosto do som da morte, do corte, da esfínge, e do som da boca que se rebenta, partida à paulada.
... desta vez sinto que excedi. Que sou um parvo com sono. Ou então iludo-me com a gramática e com paredes cobertas de sangue, para amanhã acordar feliz e contente.
Defeito genético!

Pseudo-suicídio

Olá, outra vez! Mais um dia. Afinal ainda cá ando. Foi outro dia que não primi o gatilho e que desisti do tubo encaixado na boca. Hoje não é dia de morrer.
Nojo...
Pescoço vermelho, inchado; é a marca da lâmina, senhor. Sim, aquela que encostei ao pescoço, enquanto me cintilavam os olhos de loucura e desprezo por mim mesmo.
Pseudo...

Gritos

Gritei o pontapé que dei no muro, a seco, no frio, a unha que partiu, que rebentou do dedo que estalou sangue, dormente dedo medo, tiro o pé dali que dói, mas bati... água morna que banha o pé, o sangue dilúi, o olho chora, o nariz funga, a mãe conforta... sai por essa porta! Fujo e grito, evito falar, revelar, expôr-mostrar! ...cala-te!
Isto: palavras que personificam o azedo do vomitado na boca de toda a gente, uma dor de cabeça tempora acima. Cala-te! Cala-te!
Empurro-me contra as estacas; porque dói, porque me trespassam, porque sim, por tudo, por nada.

Fica

Não vás! Não vás embora, que há quem te queira. Não é pelo que eu te amo, mas por quem eu amo, que te ama a ti. Fica para aquele festim que te prometim, pim, pim!...

Auto-flagelação lírica

Mais uma página do louco. Mais uma página, estava rouco; não tinha espaço, não há traço, mas esgravato mais umas linhas neste papel branco que ninguém lê senão eu - estarás tu a ler, mas desta tela de luz, onde penso e divago numa segunda vaga.
Volto a deleitar-me com palavras duras, laminadas, que doem que ferem, que atiro contra a parede para as ouvir partir, estilhaçar - escrevo palavras à procura das arestas, como cabeçadas na parede, como socos num estomâgo desprotegido. É como um jogo de choque e de espanto: discurso agressivo, nojento, árido, absolutamente, estoicamente, mente, mente, mente-me, mente à minha mente.
Roubem-me o passado e empurrem-me no vazio, criem um paradigma do absoluto, do branco vazio, do colapso mental de imemória, de inglória - um passado inexistente, memória fria ou quente. Um precipício, um pé na berma, na queda, na merda, naquele tubo que te parte os dentes à pancada, à cacetada, do medo da dentada, enquanto pendes no muro, agarrado à rede... memórias, histórias. Tudo merdinhas que fazem de nós qualquer coisa pronta a mudar, pronta a vestir, pronto a comer, comer.

É o silêncio

Não disse nada... não, não disse nada. Larguem-me, não disse nada! Ou então verbalizei o pensado, aquele sentimento prensado. Um desiquilíbrio, uma tontura. Mas já foi, agora deixem ouvir o silêncio.
Já disse que não disse nada! Foi só um gesto de incerteza, um suspiro! Um reflexo de medo... sim, de medo! Porque não há valente sem fraqueza, sem se transformar em preza, um buraco vazio à pressa, vai à merda! Sim, tu que julgas pela capa do livro, esse onde descrevo os excrementos que me atiram como cuspo, como palavras cuspidas, como palavras fodidas, facas que cortam. Chora, eu choro, eu imploro, eu sou, eu sou uma poça de lama, uma poça de germes e outras coisas de nojo e tortura, outra tontura... e descalço sobre os vidros partidos, sangue, suor, ardor. Vai à merda... vai tu!